segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um banquinho com pezinho e um violão





Não sei se botei no show do Chico Buarque a expectativa alimentada pela experiência com o concerto do João Donato no Theatro São Pedro onde ele, já bem velhinho, bonachão, de camisa e bonezinho surrados, tocava no Steinway suas canções de garoto, fazendo deliciosas confissões a uma plateia intimista, saudosa talvez de um tempo que não tenha vivido, como eu.


E chegamos, eu e meu pai, ao teatro do Sesi, para ver o Chico. E qual não foi minha surpresa ao observar que seu público, que aguardava na recepção regada a espumante à vontade, era composto por brilhos, holofotes, paetês, saltos altos, cílios e maridos postiços, naquela atmosfera em que qualquer Geni que passasse por ali seria apedrejada. Entramos quietos, naturalmente espantados, quando disse ao meu pai:


- Será que o Chico imaginava que teria esse público...
- ...quando começou a carreira?

Rimos irônicos e um pouco nervosos. A minha má consciência volta e meia sussurrava no meu ouvido comentários do tipo “será que esse pessoal realmente ouve Chico Buarque em casa?” A boa consciência apenas se limitava a dizer: “Ai, Tatiana, que feio”.


O show foi realmente desenhado para um tipo de público como aquele. Uma grande produção, jogo de luzes, o Chico sentado num banquinho anatômico com pezinho e encosto, cantando predominantemente músicas de amor, tudo muito asséptico e civilizado. Mas ainda assim era o Chico. A mim, a emoção de ver um mito ainda vivo, ainda sadio e - graças a deus - ainda uma virtuose. E consegui transpor a imagem daquele simulacro todo e vislumbrar a atmosfera daqueles anos tortuosos, do vigor e da coragem de ser uma das vozes da resistência com todo o lirismo que lhe cabe. E vi ali, diante de mim, o suprassumo da brasilidade, quando se revelou acompanhado de uma banda que mesclava piano, contrabaixo acústico, atabaque, saxofone, cavaquinho, flauta transversa e teclados eletrônicos, emoldurada por enormes painéis com obras de Niemeyer e Portinari.


A noite teve sim ares de espetáculo. Mas vi também que o mito às vezes cansa de ser ser mito e passa a querer se dar os luxos do fruto colhido ao longo desses anos históricos, compreendendo que os tempos agora são outros. E com toda razão.

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