sábado, 19 de março de 2011

Achados

Mexer em gaveta velha sempre rende boas lembranças. Mas o engraçado foi agora encontrar, depois de mais de dez anos, um caderno de poesias. Velhas. Ingênuas. E o que me surpreendeu não foi nem isso, mas sim encontrar, nesse caderno uns poucos textos em prosa que escrevi... Não tenho o menor registro deles na minha memória, mas enfim.

Segue um deles, bizarro, atemporal, mal-escrito e quase apócrifo, não fosse a identificação da minha caligrafia. Não que eu seja uma Alfonsina Storni da vida, uma Florbela Espanca, ou mesmo uma Clarice Lispector hoje em dia, mas pelo visto o tempo fez um bem pras minhas palavras...

"Ele já sem forças naquela cama asséptica do hospital, olhando para as paredes do quarto assépticas, procura a luminosidade do sol que entra pelos frisos da janela. Vira-se para Ela que, sentada na poltrona auxiliar, tece os últimos fios daquilo que, sem saber, seria sua própria mortalha numa manhã cancerosa de outono.

"Enfim, casaste com meu dinheiro, não foi? Ela, impávida, dirige a ele um sorriso frio e já exausto. Volta para suas agulhas. Agora só falta dizer que nunca havias pensado nisso, o que é isto, estás ficando maluco. Mas eu bem sei, suportaste a vida ao meu lado, calada, casada comigo e amancebada com meu dinheiro.

"Ela já não levanta os olhos a ele. Apenas suspira e segue seu tramar. Ele, cansado e fraco, dá um gemido estertoroso sem perceber o movimento da mulher, que apaga a luz da cabeceira, acrescenta mais uma dose de morfina no soro dele e vai embora dizendo entre os dentes: velho escroto".