domingo, 11 de outubro de 2009


A bisa mulher centenária
Das mãos de sauro
Tornou a morte tão real quanto o tricô na varanda
E o bordado caprichado.

Tão real quanto o bolinho de arroz
E a ambrosia quente na panela.

As mãos aposentadas da bisa
Viraram peças de mostruário
(As unhas sempre feitas
Finalizando o caminho sinuoso de pele, rugas e veias).

No seu leito de morte,
Pude jurar que, daquelas mãos empalhadas
Incrivelmente imóveis,
Ainda exalava o cheiro da lâ e da gordura.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cheiros



Ponho o nariz pra fora da sacada e sinto o cheiro do cachorro sujo da vizinha que mora no térreo. Se o sol ameniza alguns odores, potencializa outros bem piores.

***

Uma vez senti um cheiro apetitoso que vinha da cozinha. Perguntei à minha mãe o que estava preparando no fogão, ao que ela riu e disse que fervia os panos da casa.

***

Às vezes confundo o cheiro do papel queimando com o do açúcar caramelizado, o que já me rendeu prazeres furtivos seguidos instantaneamente de um breve pavor, ao subir as escadas do meu prédio.

***

O cheiro de vela apagada que a alguns lembra aniversário a mim lembra fim de velório e, por consequência, o cheiro do pó-de-arroz que a bisa sempre usava.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009


Dói saber das coisas.

Dói vestir a máscara-clichê de palhaço pra assistir sentada na poltrona de casa o sarro que Sarney, Paulo Duque, Yeda Crusius, seu ex-marido e companhia (i)limitada estão tirando de mim, que em prática estou de mãos atadas. Cada vez mais eu invejo a Velhinha de Taubaté e aqueles que se limitam a assistir novela e a ler livros de autoajuda. Invejo também as madames e o bando de adolescentes que agora está fazendo volume no shopping, achando que ganharam mais um tempo de férias. Pelo visto, o surto mais sério não é o da gripe A, que, pra essa, já tem remédio, ainda que caro. O ministério da saúde precisa advertir que umbiguismo faz mal à saúde.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Metaconstatação


Arte de Andy Warhol


O ato de relativizar clichês
Não acaba sendo um?

Ou, como diria meu pai,
O calcanhar-de-aquiles
De Aquiles
É o próprio calcanhar.

segunda-feira, 15 de junho de 2009



Não vem daí
Um zunido mudo que acompanha
O reflexo azulado na janela?

É daí
A respiração suspensa
Por um beijo barato de novela?

É daí
A hipnose que cega a palavra do livro
Que esfria o calor da conversa?

Que epidemia é essa
Que liga a tevê
E desliga o pensamento?

domingo, 31 de maio de 2009

quarta-feira, 27 de maio de 2009

O novo do velho


( Gravura de Alice Soares)

Well, eu deveria estar nesse momento planejando minhas aulas, mas esbarrei no meu caderno de poesia mais recente e uma fagulhazinha se reacendeu. Acho que não é em vão, pois ando trocando ideias (pois é, agora sem acento) com alguns amigos criativos, e isso também acaba mexendo um pouco com o que está latente quase que constantemente. E por que não parar um instante e dar um espacinho pra loucura? Viva ela, que nos mantém vivos! E como eu tenho esse espaço aqui mesmo (nem sei se ainda passa alguma alma por aqui... olá?), aí vai o que acabou de sair quentinho do forno movido a fosfato:

Oblíquos

Uma linha no caderno, pernas tortas na esquina
Palavra que não, suspiro que sim
Em mim, em ti
Nos pronomes a mais, roupas de menos
Nas noites banais, olhos amenos.

Talvez um gesto, talvez um minuto
Talvez um copo, um papo, um cigarro
E ficamos assim:
Eu na minha sombra e tu na minha cabeça.