terça-feira, 19 de junho de 2012

Trinta equinócios




Se somos um reflexo do nosso entorno, tenho um espelho enorme na minha frente onde posso enxergar todas as mulheres que fazem parte da minha vida. E na noite do meu aniversário, ergui uma taça a todas essas mulheres cujas vidas lhes mostrou que não é preciso fartar-se para saber viver, mas que a sabedoria está na dose certa: quando se é capaz de desfrutar a juventude e de ao mesmo tempo reverenciar experiências passadas; quando já se pode valorizar sua própria beleza sem falsa modéstia, sem tropeçar nos egos e sem temer a inevitabilidade do tempo; quando se é capaz de observar um desconforto e dar uma trégua pro ser humano; quando se tem critérios pra dizer nãos e postura para ouvi-los. É buscar sobretudo leveza nas ações, no cotidiano, nos relacionamentos, nas intenções; é não se submeter a uma situação mas compreendê-la e ceder sem perder parte de si; é enxergar o tamanho dos seus monstros e entender que nem todos se deve encarar: nenhum se deve ignorar mas alguns se deve apenas respeitar. E por fim, é quando se sabe que o mundo está diante de si e que abraçá-lo na sua inteireza é tarefa para os que vivem só de sonhos.

sábado, 26 de maio de 2012

Meu violão



De repente me vi sem meu violão. Do outro lado do mundo, vivendo o que não vivi, escancarando porta atrás de porta, descortinando o mundo, mas sem meu violão.

E pela primeira vez me dou conta de que sempre o tive ao alcance da mão pra alguma emergência.

Alguém um pouco menos sensível questionaria que tipo de emergência poderia ser sanada com um violão. É uma urgência da alma, um partir de coração absolutamente involuntário, um soluçar profundo, um oceano que precisa de uma praia pra desaguar. E quando não se encontra essa praia, esse alívio pra alma que de uma hora pra outra reivindica mais espaço, parece que não se tem mais braços, parece que se está preso em um escafandro, no fundo desse oceano.

Daí, diante de toda essa melodia que quer sair - que PRECISA sair urgentemente, nada mais importa, nada dá conforto: nem o fato de viver uma aventura, nem um colo, nem um vinho, nem uma gaita de boca. Só meu violão.

(O texto tá horrível, mas é fruto de uma pulsão que deveria ter sido canalizada de outra forma.)

domingo, 25 de dezembro de 2011

Maré alta, maré mansa

A moça da praia,
A ver navios,
Espera o subir da maré
Na época da lua cheia
E enche seu coração de júbilo.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

À deriva


Chega a meus pés
Trazida por uma pequena vaga escumosa
A garrafa com a mensagem dentro.

Eu sozinha, na beira da praia
Numa noite fresca e enluarada,
Saco resoluta a rolha que prende
No fundo do vidro
Todas as lágrimas do oceano.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Confissões de mulherzinha pré-30



Tou cada vez mais perto dos 30. Depois de uma crise daquelas - não a dos 30, mas a dos “pré-30”, que talvez seja bem mais severa, me parece que ela está passando e, vejam só, até estou gostando da ideia de, daqui a pouco, fazer 30.


O que me incomoda - aliás, o que SEMPRE me incomodou - é meu arzinho de menina, que me deixa mais perto dos 20 do que da outra ponta da década, mesmo a essa altura do campeonato. As mais velhas acham isso o máximo, mas o problema é a falta de credibilidade que essa cara me dá, apagando sem piedade alguma experiência que, sim, eu já acumulo. Queridas senhoras, essa carinha tem currículo, um portfolio de alegrias, frustrações, de fichas que caíram, de revisões, de lágrimas secas pelo tempo, de realizações, de abacaxis descascados, de mancadas, de determinações e de decisões.


Além da cara, há dois outros aspectos: a irreverência e a necessidade do movimento. Por que os adultos entendem a idade adulta como o momento de estagnar? Parece que o movimento de vida é próprio dos adolescentes, e basta alguém crescido aparecer com um corte de cabelo diferente, uma tatuagem, um hábito inesperado pra ouvir o coro dos anciãos dizendo “pronto, adolesceu”, quando na verdade é uma característica inerente daqueles que veem que a vida merece ser desfrutada a cada flor que se abre. E elas se abrem, cada uma, apenas uma vez.


E como ser irreverente deixando de lado a meninice? Por que o adulto deve gostar das cores neutras, ler livros burocráticos, fazer atividades programadas, seguir modelos que não foram nem ele que escolheu? Por que a tentativa e a experimentação é vista como própria das crianças e ponto final? Por que a fuga de determinados padrões acaba ficando atrelada a um certo “deboche” da vida? Não é por essa visão que vou deixar de levar o trabalho a sério, de pagar minhas contas, de planejar um futuro, de desejar um filho.


E como ser irreverente, manter o movimento da vida e ser elegante, altiva, charmosa - Mulher - sem pender pra uma artificialidade que, em mim, ficaria ridícula e impossível de cultivar? O ar adolescente é próprio deles e cada idade tem em si sua beleza. E é difícil encontrar um denominador-comum perto desses míticos 30 anos. Talvez os 40 me reservem a resposta para todas essas perguntas. Ou não?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um banquinho com pezinho e um violão





Não sei se botei no show do Chico Buarque a expectativa alimentada pela experiência com o concerto do João Donato no Theatro São Pedro onde ele, já bem velhinho, bonachão, de camisa e bonezinho surrados, tocava no Steinway suas canções de garoto, fazendo deliciosas confissões a uma plateia intimista, saudosa talvez de um tempo que não tenha vivido, como eu.


E chegamos, eu e meu pai, ao teatro do Sesi, para ver o Chico. E qual não foi minha surpresa ao observar que seu público, que aguardava na recepção regada a espumante à vontade, era composto por brilhos, holofotes, paetês, saltos altos, cílios e maridos postiços, naquela atmosfera em que qualquer Geni que passasse por ali seria apedrejada. Entramos quietos, naturalmente espantados, quando disse ao meu pai:


- Será que o Chico imaginava que teria esse público...
- ...quando começou a carreira?

Rimos irônicos e um pouco nervosos. A minha má consciência volta e meia sussurrava no meu ouvido comentários do tipo “será que esse pessoal realmente ouve Chico Buarque em casa?” A boa consciência apenas se limitava a dizer: “Ai, Tatiana, que feio”.


O show foi realmente desenhado para um tipo de público como aquele. Uma grande produção, jogo de luzes, o Chico sentado num banquinho anatômico com pezinho e encosto, cantando predominantemente músicas de amor, tudo muito asséptico e civilizado. Mas ainda assim era o Chico. A mim, a emoção de ver um mito ainda vivo, ainda sadio e - graças a deus - ainda uma virtuose. E consegui transpor a imagem daquele simulacro todo e vislumbrar a atmosfera daqueles anos tortuosos, do vigor e da coragem de ser uma das vozes da resistência com todo o lirismo que lhe cabe. E vi ali, diante de mim, o suprassumo da brasilidade, quando se revelou acompanhado de uma banda que mesclava piano, contrabaixo acústico, atabaque, saxofone, cavaquinho, flauta transversa e teclados eletrônicos, emoldurada por enormes painéis com obras de Niemeyer e Portinari.


A noite teve sim ares de espetáculo. Mas vi também que o mito às vezes cansa de ser ser mito e passa a querer se dar os luxos do fruto colhido ao longo desses anos históricos, compreendendo que os tempos agora são outros. E com toda razão.

Show do Chico: as pérolas


Antes do show começar, o locutor adverte:

- Senhoras e senhores, por gentileza, desliguem seus aparelhos eletrônicos. Foto e filmagens serão permitidas apenas mediante autorização prévia.

Quando o Chico entra no palco, alguém gritaria:

- CHICOOO, POSSO FILMAR??


(Essa é do meu pai)



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Chico Buarque, agora mais franzino que nunca, aquela passa de gente, ao terminar uma música, ouve da plateia:

- LINDOOOO!!!




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Na saída do show, no meio de toda a gente, ouço atrás de mim uma senhora dizer pra outra:

- Pegaste o ticket do estacionamento, Geni?




(Essas outras realmente aconteceram)

domingo, 9 de outubro de 2011

Tema para perfil de rede social

Não sei ser poser, não sei ser hype. Gosto de orquídeas, do Cortázar, dos quadros do Pollock, de um bom vinho e dou um braço pra ficar na minha. Quanto mais luz há perto de mim, mais estou na sombra. Tou dentro do sistema porque preciso pagar minhas contas e minhas pequenas concessões, mas não tou na moda. Tenho minha vaidade, amparada por alguns artificialismos, mas sou eu que pinto minhas unhas. Tenho minhas crenças mas não sou sócia de nenhum clube. Sou mais a palavra bem-dita do que a imagem vazia, mas não tenho citação bonita pra um testemunho virtual. E se essa sou eu, amanhã posso bem não ser.