terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Zero grau de libra - pequenas epifanias



Apesar de agora não estarmos no zero grau de libra, acho que esse texto cai como uma luva pra um fim de ano. (Também foi lembrado em função de uma conversa muito boa que tive com gente muito boa acerca do que é, afinal, Deus.) É um dos meus textos preferidos.

       "Sobre todos aqueles que continuam tentando, Deus, derrama teu Sol mais luminoso.

       "O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.

       "Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de são Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta.

       "Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.

       "Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel tão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.

       "Não esquece do rapaz viajando ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.

       "Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio- Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminosos, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada".

Caio Fernando Abreu - O Estado de S. Paulo, 24/09/86.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O cabelo do papai


- Tia Tati, por que o cabelo da boneca é laranja?

- Hum... e por que o teu é preto?

- Não sei...

- Porque tua mãe tem o cabelo preto. E o teu pai?

- O meu pai tem beeeeem pouquinho cabelo na cabeça.


(Estrelando: Pietra, tia Tati e a boneca Emília. Viva as crianças.)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Apoteose



Cena antológica do filme "Amargo pesadelo" ("Deliverance"), de John Boorman

Um dia vou partir
Deixando pra trás
As linhas tortas
Desenhadas por meus passos.

E vou dormir sereno
Acalentado pela doce memória
De um porvir pequeno
Cantado e desejado
Pelas cordas do meu banjo.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Anjo da vanguarda

Kandinsky

"Meu anjo da vanguarda
Afinai meu banjo".

Chico César

(Bah, não ter essa música no Youtube é uma heresia).

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Daquilo que se colhe.



O trabalho só nos reserva alvíssaras quando se faz o que se gosta, não simplesmente quando se gosta do que se faz. E o que vivi na noite de hoje foi algo absurdamente gratificante. Sinal de missão cumprida, impressão de fazer algo bem-feito dentro do sistema do qual não temos escapatória.

Fui a um encontro de uma turma de alunos de segundo ano do Ensino Médio. Salão de festas, refrigerante e Homem-Pizza. No iPod amplificado, muito Beatles, AC/DC e alguma coisa de Kid Abelha pra dar uma descontraída. Afora a parafernalha que preenche a estética mais contemporânea, me senti numa verdadeira reunião dançante dos anos 90. De repente, um pequeno grupo começa a falar de livros.

Mas não qualquer Crepúsculo da vida, e sim 1984, O pequeno príncipe, Ensaio sobre a cegueira, biografia do Tim Maia, do Getúlio – leituras procuradas pelos próprios alunos, instigados cada um por um motivo especial e particular. Indivíduos. Pessoas preocupadas em pensar.

Nos sentamos em um cantinho reservado e o papo, por cerca de duas horas, não foi outro: boas leituras (ou o que faz de um livro uma boa leitura), bons filmes e o que mais pode ser referência em termos de cultura geral (bons vinhos também é um assunto que se encaixaria. Mas isso vem com o tempo, e eu não tenho pressa com essa gurizada). O que é possível apreender da condição humana fora dos muros da escola. Ou melhor, na schola grega, no seu sentido literal: o tempo livre. E se travou aí uma química bárbara entre duas professoras e alguns alunos sedentos por conhecimento. Não o conhecimento enciclopédico e erudito, mas aquele que, compartilhado e orientado, forma gente esclarecida, com papo, com personalidade, com perspectivas mais amplas pra compreender seu próprio tempo.

Saí daquele encontro feliz, satisfeita com o ser humano, e satisfeitíssima em saber que o meu trabalho me permite conhecer pessoas assim: adolescentes com suas características típicas, com seus conflitos típicos, mas com um desejo latente de sair do lugar-comum. Ana, Henrique e Jonas, gostaria que vocês soubessem que, muito além de eu ser alguém que pode orientá-los nas suas “descobertas culturais”, sou uma pessoa que os admira profundamente.

Rô, obrigada pela parceria.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tributo


Talvez muitos dos meus poucos leitores considerem uma heresia o fato de eu não escrever nada sobre o show do Paul, afinal, fui assistir a um beatle na minha própria cidade. Mas verdade é que, como afirmara a Kátia Suman, não há nada de original que se possa realmente dizer do que foi a experiência. Sublime e ponto final. E verdade também é que ultimamente não tenho conseguido ouvir outra coisa que não seja Billie Holiday – o que também pra muitos dos meus poucos leitores não é uma novidade. Mas ando meio rouquinha e, por isso, consigo me divertir sozinha, na frente do espelho, imitando os vocalizes da diva do jazz. Me faltaria talvez alguma dose de heroína pra entrar deep-inside-the-broken-heart-rastejante – mas no momento tá bom assim, he. E o jazz mexe, como a própria palavra sugere. Demais. Vai lá no fundo mesmo. E Billie é visceral e deliciosamente imperfeita. She takes all of me. Sorry, Paul.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010


Céu com pouca nuvem e vento leve
É acalanto pros olhos
É colo de mãezinha
Paz nos devaneios.

Mostra-me um dia ameno
Que eu te mostro um olhar ameno
Uma respiração profunda
Um presente satisfeito.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O vento dos finados


Em dia de finados (ainda que hoje seja de Todos os Santos), é quase impossível manter as portas abertas dentro de casa. Há sempre um vento tão gostoso quanto misterioso, que bota folhas, galhos e pólen a fazerem um balé circular no ar. A quietude do dia é quebrada por esse rufar do vento sem direção definida.

Será então essa a voz dos mortos? Onde termina o mito e começa de fato a natureza?

Talvez eu nunca encontre resposta. Enquanto isso, estendo minha rede na varanda, embalada pelo vento e pela companhia de um bom vinho.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Final feliz é sempre massa



Ser feliz é complicado
bem mais fácil é sofrer
e ficar parado
sem saber o que fazer

Eu não sei o que fazer
vou fazendo mesmo assim
eu não vou ficar esperando
alguém fazer por mim

Vou deixar o sol entrar
acabar com a escuridão
abrir a janela do quarto e gritar para o mundo
eu quero outra chance!

Alguém vai escutar
alguém que vai sorrir
alguém que como eu cansou de desistir

Vou abrir meu coração
alguém vai escutar
então vou deixar o sol entrar.

Nico Nicolaiewsky

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Do que vale a pena em PoA

Nico, o maestro Tiago Flores e Fernanda Takai no ensaio
Um piano de cauda, uma orquestra de câmara, músicas populares em vozes populares. Fui ontem assistir a Nico Nicolaiewsky tocando e cantando com Fernanda Takai, acompanhados da orquestra da Ulbra, no salão de atos da Ufrgs, por módicos 15 reais, ingresso mais barato que três pares de meia na C&A. A voz dela um veludo, as letras dele como palavras deliciosamente lapidadas no cotidiano, sério, queria eu ter escrito todas elas. Além dos talentos, a irreverência dos dois em contraste com a solenidade da orquestra dava à noite uma estranheza gostosa, uma vontade de ficar ali, só me alimentando da catarse e esquecendo o mundo lá fora. E viva Villa-Lobos, pois talvez sem suas ousadias passadas eu não teria vivido o que vivi ontem.

sábado, 9 de outubro de 2010

Vaca de exposição

Vaca "Eu sou de chita!" Artista Lídia Fabrício

- Oi, vó!

- Oi, querida. Onde tu tá?

- Tou dando uma volta pela cidade pra ver as vacas da Cow Parade.

- Ver o quê?

- Aquela exposição de vaquinhas coloridas! Que saiu no jornal, sabe?

- ...

- Vó?

- Tu tá na Expointer?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

He is the walrus!


Tenho me lembrado muito daquela musiquinha do Tavito... “e o som dos Beatles na vitrola/será que algum dia eles vêm aqui/cantar as canções que a gente quer ouvir”.

Um beatle vem a Porto Alegre. À nossa província de São Pedro.

Tá certo que não são os Beatles, tá certo que o Paul tá uma velha retalhada. Mas é o Paul e tudo o que ele representa. E vai tocar I’ve got a feeling, Eleanor Rigby, Blackbird, Back in USSR, além das fantásticas músicas gravadas com os Wings, como Jet, Band on the run, Let ‘em in, entre outras. E eu vou ouvir ao vivo a voz que cantou no telhado da BBC, que virou noites compondo com John Lennon, que alimentou minha imaginação de criança toda vez que eu via meu pai e meu tio pegarem o violão.

Queria escrever algo mais inspirado, afinal, esse é um dos eventos mais aguardados da minha vida. Mas às vezes o excesso de êxtase tira a palavra. Eu estou contando os dias, as horas. Depois de amanhã, quando começarem as vendas dos ingressos, é um-dois-três-e-já, o primeiro vai ser meu.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Escrito num dia nublado

Cena antológica de "Asas do desejo", de Wim Wenders,
um dos filmes mais lindos que já vi na vida.

Acabou-se aquilo que era doce
Ficou o gosto de cinza da rua
Fuligem de caminhão e de amor barato.

Quem dera um anjo inventasse uma sonata
Pra quebrar o gris do dia.

Quem dera um anjo
Desenhasse um tango na calçada.

Quem dera um anjo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Portabilidade


Conversa entre marido e mulher, logo após ela aguardar o período de portabilidade, para reaver seu número no aparelho celular novo:

ELA: Onde estão todos os meus contatos???

ELE: Os contatos não se recuperam, meu amor. A não ser que tu tenhas o chip antigo...

ELA: Não, não pode. Não é assim, eu li em algum lugar que dava...

ELE: Mas isso é fisicamente impossível de acontecer.

ELA: ...

ELE: Minha linda, não sou eu que faço as regras. Eu só explico elas pra ti!

domingo, 19 de setembro de 2010

Filosofia do cotidiano

Numa das muitas conversas que tenho com minha querida amiga e colega Roberta Peters sobre a dificuldade de escolher caminhos nessa vida louca, de tomar decisões, de traçar nós mesmos as linhas do nosso destino (nossa, quanto clichê), ela suspira bem fundo e diz:

- É, Tati. Definitivamente a vida não é pra principiantes.

Como é bom conviver com gente inteligente que nos dá outras perspectivas do mundo.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Um possível diálogo

Desenho meu, bem antigo.

- Há uma chamada não atendida no teu celular.

- Eu sei. Tentei falar comigo, mas estava ocupado todo tempo.

- Deixaste alguma mensagem?

- Não adiantaria. E também me distraí com outras coisas em seguida.

- Com as flores que recebeste ontem?

- Como sabes disso?

- Me contaste enquanto dormias. Falas muitas coisas adormecido.

- O que mais eu falei?

- Não lembro. Palavras desconexas.

- Quero enterrá-las. As flores todas.

- Onde estão que não as vi em lugar algum?

- Estão no meio do meu caminho. Atravancando a inexorabilidade da minha vida.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cyberpop


Na remota página
De uma rede social qualquer
Estendo já sem mais nenhum brio
Meus quinze minutos de fama.

sábado, 28 de agosto de 2010

Das raízes

Ontem senti novamente o gostinho de ser filha – não que meus pais sejam hoje insensíveis a ponto de evitarem o convívio com os filhos, que já cresceram, mas a realidade adulta nos mantém ocupados demais pra demonstrações mais prolongadas de afeto. Daí, quando esse tipo de momento acontece, viro criança de novo, faço macaquice, quero ser igual a eles. Aí vai uma palinha dos momentos que, pra minha sorte, se repetem há 28 anos.

Neste vídeo sou eu e meu pai tocando "The boxer" (Simon & Garfunkel), uma das clássicas da família. E nesse é ele e minha mãe, brincando de tocar a parte mais legal de "Uncle Albert" (Paul McCartney). Ah, uma dica: não deem absinto pras suas mães. Elas podem ficar divertidas demais.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Das negativas


Se de fato queres me conhecer
Já vou avisando:
Há muita imperfeição nesse mundo.

Não tenho brios
Não tenho freio
Não tenho lógica
Não tenho medo do silêncio.

Me falta um pouco de vaidade
Talvez um pouco de caráter
E uma bela dose de paz interior.

Não tenho um corpo bonito
Não tenho futuro
Não tenho coragem pra olhar nos olhos do tempo
Não tenho pouso
Não tenho rotina nem fé.

E o que resta de mim
São metáforas
Meias palavras
Ou tudo que é efêmero.

(Bem fraquinha essa. Talvez eu devesse mudar o fim.)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Utopias possíveis

Da série "meus-caderninhos-velhos-those-were-the-days".
Descobri que dá pra botar uma legenda decente, uhu!!

Ontem tive o privilégio de ouvir um dos grandes pensadores contemporâneos em conferência no Fronteiras do Pensamento, o senhor Daniel Cohn-Bendit. É um daqueles que vão para os livros de História quando morrem, pois, afinal, foi uma das cabeças do maio de 68 francês.

Sua fala, que se centrou na validade das utopias, começou com uma frase muito impactante pro público que lotava o Salão de atos da Ufrgs: “esqueçam o maio de 68”.

Como assim?! Não era pra falar de utopia? E o que representou o movimento?!

O que interessa é por em perspectiva. Ver que as utopias se realizam de fato. Há alguns anos, não se pensava que mulher pudesse trabalhar sem a autorização do marido, não se pensava que pudesse haver paz entre França e Alemanha, não se pensava em unificação de moeda, em abertura de portos. Ok, isso tudo em um âmbito social e econômico.

Mas o que realmente me tocou nessa palestra foi o que ele disse, a respeito dos jovens de hoje, o que me levou diretamente a pensar nos meus alunos adolescentes-à-sua-própria-maneira: ao ser questionado sobre o que achava de estar diante de uma geração não-politizada, Cohn-Bendit respondeu:

“Os jovens hoje têm um outro foco. A política já não é mais o que tanto os assusta, o que não quer dizer que estejam alienados. Sua causa é outra: problemas ambientais. Além disso, eles têm uma visão e uma preocupação com seu futuro, com os rumos que suas vidas poderão tomar, seja num âmbito individual como social. Nós não tínhamos essa preocupação”.

Há uma utopia contemporânea. Há diversas delas. E me conforta esse novo olhar, pois me mostra que a gurizada não parou de pensar. E de sonhar.

domingo, 22 de agosto de 2010

Cais

Da série "meus-caderninhos-velhos-those-were-the-days"

Tou aqui
Pra preencher o vazio das horas
Pra baixar a maré dos teus olhos.

A paz enfim
Apascentara o gesto
É porto seguro da nau sem fronteira.

E sob essa lua que ilumina agora,
Só o que te peço
É meu mundo por teu cais.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Casa velha

Da série "meus-caderninhos-velhos-those-were-the-days". Não chega a amarrar o sapato dos desenhos do Diego, mas vale igual.

Estranho encontrar uma folha amarelada do tempo que parece que não existiu a não ser por foto.
A memória é uma ilusão desbotada.
A foto é o registro de uma fábula que de fato aconteceu.
Depois ainda abrem-se os cadernos da vida e se descobrem números, nomes, frases cotidianas, poesia diminuta.
Há muita imagem na palavra. Há muito passado em página barata.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Casa nova

Resolvi arrumar isso aqui e soltar os pássaros da gaiola.
E eu fico só observando alegre a revoada.

domingo, 15 de agosto de 2010

Everybody is wishing me a happy birthday



Num restaurante, comemorando o aniversário de um amigo, já passava da meia-noite quando o garçom perguntou à mesa se gostaríamos de mais alguma coisa, no caso, a sobremesa. Seguiu-se então um curto diálogo interessante, um pequeno duelo de palavras que resultou na vitória do querido aniversariante, comemorada com sua chimichanga de chocolate:

- Mais alguma coisa, senhores?

- Eu estou de aniversário hoje e gostaria de saber se tenho direito a alguma sobremesa por conta da casa...

- “Hoje” já é amanhã, senhor.

- Mas eu estou aqui desde ontem.

- ...

- ...

- Ok, vou providenciar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

País das maravilhas


Painel que fiz na sala do meu antigo apê

Alice cresceu brincou
Casou pariu dormiu
Morreu.

Alice tem belos olhos
Uma carreira
Um marido exemplar
E sabe se portar à mesa.

No dia em que ela olhou
Com atenção para o relógio
Viu que as rosas também murchavam.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Com os próprios olhos


Qualquer coisa que se diga sobre a Amazônia é clichê.
Eu observo tudo sem achar nada óbvio.

O igarapé repousa tenso
A icamiaba já não recebe mais cartas
Muiraquitã agora é feito de balata.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sincretismo tem limite



É inegável dizer que a convivência gera algumas bizarrices. Segue abaixo diálogo travado entre marido e mulher, um dia depois de almoçarem um bife à parmegiana em um restaurante popular:

[09:26:41] Ele: tu vai no súper e de lá vem direto pra cá me buscar, né?
[09:26:54] Ela: acho que sim
[09:26:59] Ele: Vamos almoçar em casa... a gente come aquele bife e aquele arroz, né?
[09:27:08] Ele: Costless lunch. ;)
[09:27:17] Ela: "aquele" arroz que vou fazer agora?
[09:27:28] Ele: não... lembra que sobrou bastante arroz
[09:27:34] Ela: ??
[09:27:38] Ele: Eu fiz todo aquele thai jasmin, te lembra?
[09:27:44] Ela: bah!!!
[09:27:52] Ele: Sobrou metade. Tá na geladeira, prontinho.
[09:28:07] Ele: hehehe... sincretismo gastronômico
[09:28:09] Ele: ;)
[09:28:10] Ela: rangão de estivador com thai jasmin?!
[09:28:20] Ele: não é de estivador, sua chata
[09:28:35] Ele: é uma iguaria italiana com acompanhamento tailandês
[09:28:40] Ele: humpf
[09:28:41] Ela: bah... hay que tener um pouco mais de sensibilidade, também...
[09:28:49] Ela: listras não combinam com bolinhas brancas
[09:28:54] Ele: HAHAHAHAHA
[09:29:04] Ele: Bueno, eu queria te tirar da cozinha, só isso.
[09:29:12] Ela: hehehehe, ok.
[09:29:24] Ele: Mas beleza... Então, minha sugestão: prepara o Ráris agora, antes de sair de casa.
[09:29:33] Ela: sim, hehehe
[09:29:33] Ele: Pq aquele alpiste leva uma hora pra ficar pronto!
[09:29:39] Ela: muito engraçado esse diálogo.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Máxima


Imagem encontrada nesse enorme saco de gatos que é a Internet. Quem conhecer o autor, me avisa.

Nessa maré de avaliações para corrigir - da qual acabo por vezes criando situações pra navegar por outros mares - leio um artigo bárbaro do Jorge Forbes, publicado no Estadão e me enviado por minha queridíssima colega e amiga Roberta Peters. Dentre outras coisas interessantes, ele retoma uma máxima do Ortega y Gasset, daquelas que servem pra permear a semana de pensamentos:

"Eu sou eu e a minha circunstância".

Vontade de ler esse cara de novo. Preciso de mais umas quatro horas no dia, só. Será que é pedir demais?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

You say it's your birthday


70 anos do Ringo Starr, dá pra acreditar?! E foi comemorado de uma forma muito emocionante, principalmente pra nós, fãs de Beatles. A matéria que segue abaixo está no blog da Rolling Stone, onde também dá pra conferir a canja.

Ringo faz aniversário, público ganha presente

Na noite da última quarta-feira, 7, Ringo Starr comemorou o seu 70º aniversário em show no Radio City Music Hall, em Nova York. De surpresa, Paul McCartney se juntou ao aniversariante e tocou "Birthday", do clássico Álbum Branco. Starr assumiu a bateria, enquanto Paul tocou baixo e deu conta dos vocais. Os dois também dividiram o microfone e cantaram "With a Little Help From My Friends". E não foi só isso: Yoko Ono foi outra convidada do ex-beatle.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Copa do mundo: Para quem torcer na final?


Essa é uma dúvida que me inquieta naqueles momentos em que o pensamento toma conta, como quando vou lavar a louça, dirigir sem o som do rádio ou tirar os pelos da sobrancelha. Para quem torcer na final, afinal? (Isso dá samba). E fico ligeiramente dividida entre meu orgulho brasileiro de vibrar pela Holanda – já que fomos eliminados, pelo menos foi pelo campeão do mundo – e minha pequena dose de complacência ao levantar a bandeira da Espanha, uma vez que o país ibérico não teve relação direta com o Apartheid. Estou mais inclinada a seguir a segunda opção, pois sou mais humana do que brasileira nesses casos, e seria uma covardia a Holanda ganhar uma Copa em solo sul-africano.

(Mulher com TPM pensa demais, até em futebol, e acaba misturando as coisas. Que perigo.)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Ensaio sobre o legado


Demorou pra me cair a ficha de que Saramago morreu. Ele, que já cogitara (em um desses exercícios de abstração fabulosos que só o texto ficcional permite) uma situação em que a morte tira umas férias.

Já era um clássico, e talvez por isso meu espanto com a sua ida: esses seres morrem? Têm fibras? Carne? Osso? Fazem compras, vão ao banheiro, irritam-se com serviço de telemarketing? Saramago foi controverso, político, antipático, imperfeito. Mas esse era o homem-da-rotina, o que usava cuecas, água-de-cheiro. Se essa não é a face do autor (e sim da pessoa), ao menos Saramago era um clássico que tinha um blog e que dava depoimentos em documentários. Com oitenta e sete anos.

E com oitenta e sete anos ainda estava publicando livro (por sinal, o último livro que li nas minhas férias, “Caim”). Logo se vê que o corpo se aposenta, mas a mente se fortalece com o tempo. E com a morte, a palavra é somente o que permanece.

A herança que o autor deixa se inventaria nas imagens que cada leitor cria. Eu mesma posso dizer que estive cega naquele hospital supervisionado por futuros-cegos; sofri os dramas existenciais de Jesus, parti em busca da maior flor do mundo, tornei-me atrapalhadamente imortal e atravessei mitos bíblicos com Caim. Se eu pudesse dizer ao menos uma palavra para esse homem-condão que morreu sem saber da minha existência, lhe agradeceria cada momento que vivi nas suas histórias que, sem dúvida, atravessarão os tempos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Parca experiência


Há de se ter algumas certezas na vida.
Poucas, mas substanciais.
Sei exatamente onde neste momento se encontra meu caderno de rabiscos
Sei também como se faz pra fechar o registro do chuveiro
Como traçar uma linha bem reta com giz na calçada.
Sei também como começa um poema do Manuel de Barros
Como trocar as cordas do violão
E como fazer para parar um soluço.

Me faltam algumas certezas, é verdade.
Algumas três vezes tive de voltar à cozinha
Pra me certificar de que o fogão estava desligado
Tive de voltar pra fechar as janelas antes do temporal
Tive de ficar bem quietinha pra não dar mancada.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Inferno astral

ADOLESCÊNCIA TARDIA?

Daqui a vinte anos
Quando eu comemorar meus cinquenta
Vou fazer finalmente uma tatuagem
Em algum pedaço de pele que não tenha caído.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Texto na Zero Hora



Confiram o texto que publiquei na ZH sobre a Protásio!

Tá batidinho, cheio de chavão, mas modéstia à parte tá bem meigo.